
Dança no cais
Hugo Simberg, 1899
Quando eu nasci eu tinha muita gente em volta, mas elas foram sumindo
Eu tinha avós, tios, tias, mãe e pai
Minha tia favorita em 2004
A mãe biológica do meu pai (que eu vi poucas vezes) em 2005
Minha avó paterna adotiva em 2008
Meu tio que também era meu padrinho em 2012
Meu avô em 2016
E aí tem as pessoas que foram se afastando mas é como se tivessem morrido também
A família adotiva do meu pai nos traiu de uma forma inesperada e é como se tivesse morrido pra nós
Da minha família original sobramos só eu e minha irmã, e tentamos aí sobreviver bem entre os nossos escombros
Da família anexada tem o Lucas, meu marido, que é o que me segura nessas perdas todas
Eu tenho amigos, e uma comunidade que eu formo principalmente escrevendo
E ironicamente falar dos meus mortos me consegue a companhia de uns vivos
A morte pra mim já é uma velha conhecida, se ela passar eu aceno e acho que ela até acena de volta, enquanto eu espero que ela siga outro caminho
Eu não tenho mais tanto medo, e parte de quem eu sou agora foi moldada por ela também
Não tenho mais raiva, eu só aceito
E também acho que lembrar que ela existe, e que ela sempre vem, nos faz aproveitar melhor a vida. Viver é precioso demais pra gente perder tempo com o que não importa
A escritora Scholastique Mukasonga, sobrevivente do genocídio em Ruanda, diz que o que ela faz é uma mortalha de papel pros seus mortos que ficaram à mercê de tudo e nunca puderam ser identificados
Meus mortos têm sepultura, eu sei onde eles estão, mas eu sinto que é isso que eu faço também. E eu me sinto feliz em fazer aqui
Lembrar de quem a gente perdeu é lembrar que muito amor existiu, e eu acho que nunca é demais lembrar desse amor que carregamos pra sempre, mesmo que as pessoas que nos amaram não estejam mais aqui.





Eu não sou uma estrangeira no país das histórias
Scholastique Mukasonga